Cordel



A casa que a fome mora

Vi o orgulho ferido
Nos braços da ilusão,
Vi pedaços de perdão
Pelos iníquos quebrados,
Vi sonhos despedaçados
Partidos antes da hora,
Vi o amor indo embora
Vi o tridente da dor,
Mas nem de longe vi a cor
Da casa que a fome mora:


Vi num barraco de lona
Um fio de esperança,
Nos olhos de uma criança,
De um pai abandonado,
Primo carnal do pecado,
Irmãos dos raios da lua,
Com as costas semi-nuas
Tatuadas de caliça
Pedindo um pão da justiça
Do outro lado da rua.


Vi a gula pendurada
No peito da precisão,
Vi a preguiça no chão


Sem ter força de vontade,
Vi o caldo da verdade
Fervendo numa panela,
O jejum numa janela
Dizendo: aquí ninguém come!
Ouvi os gritos da fome,
Mas, não vi o rosto dela.


Passei a noite acordado
Sem saber o que fazer,
Louco, louco pra saber
Onde a fome residia
E por que naquele dia
Ela não foi na favela
E qual o segredo dela,
Quando queria pisava
Amolecia e matava
E ninguém matava ela?


No outro dia eu saí
De novo á procura dela,
Mas não naquela favela,
Fui procurar num sobrado
Que tinha do outro lado
Onde morava um sultão.
Quando eu pulei o portão
Eu vi a fome deitada
Em uma rede estirada
No alpendre da mansão.


Eu pensava que a fome
Fosse magricela e feia,
Mas era uma sereia
De corpo espetacular
E quem iria culpar
Aquela linda princesa
De tirar o pão da mesa
Dos subúrbios da cidade
ou pisar sem piedade
Numa criança indefesa?


Engoli três vezes nada
E perguntei o seu nome.
Respondeu-me: sou a fome
Que assola a humanidade,
Ataco vila e cidade
Deixo o campo moribundo,
Eu não descanso um segundo
Atrofiando e matando
Me escondendo e zombando
Dos governantes do mundo.


Me alimento das obras
Que são superfaturadas,
Das verbas que são guiadas
Pros bolsos dos marajás
E me escondo por tráz
Da fumaça do canhão,
Dos supérfluos da mansão,
Da soma dos desperdícios,
Da queima dos artifícios
Que cega a população.


Tenho pavor da justiça
E medo da igualdade,
Me banho na vaidade
Da modelo desnutrida,
Da renda mal dividida
Na mão do cheque sem fundo,
Sou pesadelo profundo
Do sonho do bóia fria
E almoço todo dia
Nos cinco estrelas do mundo.


Se vocês continuarem
Me caçando nas favelas,
Nos lamaçais das vielas
Nunca vão me encontrar,
Eu vou continuar
Usando meu terno xadrez,
Metendo a bola da vez,
Atrofiando e matando,
Me escondendo e zombando
Da burrice de vocês.

Antonio Francisco

Pensamentos Políticos

Caros amigos leitores,
Tenho muito para vos dizer
Da política dos “doutores”,
Há muita gente pra aprender,
Pois a sociedade desconhece
A política partidária,
Só lucram e enriquecem,
As potocas da reforma agrária.
Promessas inúmeras, variadas,
Do Executivo ao Legislativo.
Tornam-se máfias travadas.
Benéficas a “grupos de amigos”.
“Amigos” que limitam ainda
O conhecido voto de cabresto.
Levianos recebem sua propina
E garantem seu candidato eleito.
No entanto a humanidade
Desconhece sua força,
Desperdiçam com vontade,
Seus votos numa forca.
São quatro anos de mandato,
Do político escolhido,
Só o povo é maltratado,
Não alcançando o prometido,
Que seriam os projetos
Tidos como propostas
E que nunca são concretos
E assim nos dão as costas.
Por isso vamos agora
Escolher o melhor.
No Brasil ainda mora
O sinônimo do pior.
Alguém sempre tem a dizer:
“todos” são mesmo ruins,
Não contando com você.
Por isso existe um bom, sim.
Aquele bom sonhador,
Sempre luta para vencer,
Diferente do tal “doutor”
Vamos preferi-lo no poder!

Manoel Barbosa de Souza


100 anos do Gonzagão: o nosso rei do Baião

Meu caro amigo leitor
Por favor, preste atenção
Pois vamos falar agora
Nessa nossa exposição
Do grande Luiz Gonzaga
O nosso Rei do Baião.
Vamos cantar em cordel
Cem anos do Gonzagão
Homem forte e valente
Que causa admiração
Ele cantou o Nordeste
Com muita dedicação.
Vou contar uma história
De um homem apaixonado
Pelo forró, a safona
O baião e o xaxado
O grande Luiz Gonzaga
Como ele é chamado.
Nome completo é Luiz
Gonzaga do Nascimento
Ele nasceu no Exu
Grande acontecimento
Dia 13 de dezembro
O dia desse momento.
Mil novecentos e doze
Foi o ano abençoado
Nascimento de Gonzaga
Esse artista arretado
Pernambucano porreta
Pelo Brasil consagrado.
Quando era adolescente
Passou a se apresentar
Em bailes, forrós e feiras
Onde ia acompanhar
O seu papai Januário
Com ele aprendeu tocar.
Antes dos dezoito anos
Teve a primeira paixão:
Nazinha sua amada
Moça lá da região
Com amor e com carinho
Conquistou seu coração.
O pai dela o rejeitou
O namoro, não queria
O ameaçou de morte
Foi grande a covardia
Luiz Gonzaga então
Quis mostrar, a valentia.
Januário e Santana
Descobriram o namoro
Deram uma surra em Luiz
E ele caiu no choro
Revoltado e com medo
Fugiu como desaforo.
Gonzaga fugiu de casa
No exército ingressou
em Crato, no Ceará
Pelo Brasil viajou
E durante um bom período
Soldado se transformou.
Domingos Ambrósio foi
Um grande acordeonista
Que incentivou Gonzaga
A ser um grande artista
Ensinou os seus segredos
Pra ser grande sanfonista.
No ano de 39
Lá no Rio de Janeiro
Ele deixou o Exército
Como um bom brasileiro
Passou a tocar sanfona
Com repertório estrangeiro.
Tocava nos cabarés
Um tremendo retrocesso
Em programas de calouros
Também não teve progresso
Quis voltar p'ro seu sertão
Pois não achava o sucesso.
No ano 41,
Programa de Ary Barroso,
Foi aplaudido de pé
Começou ficar famoso
Tocando o Vira e Mexe
Um regional gostoso.
Vira e Mexe é a primeira
Música que ele cantou
De sua própria autoria
Com ela, se consagrou
Lá na gravadora Victor
50 canções gravou.
Depois de ser contratado
Pela Rádio Nacional
Pra cantar, tocar sanfona
De forma sensacional
Da rádio ele ficou sendo
O artista principal.
No ano 45
Luiz Gonzaga gravou
A sua primeira música
Um verdadeiro cantor
No estúdio RCA
Seu sucesso estourou.
Asa Branca, o seu hino
Sua principal canção
Traduzida em várias línguas
Conquistou toda nação
Composta em 47
Por Humberto e Gonzagão.
Luiz Gonzaga foi grande
Compositor e cantor
Sanfoneiro de primeira
Homem de grande valor
Que cantou nosso sertão
Com carinho e com amor.
Luiz Gonzaga é forró
É xaxado e é baião
Foi um grande sanfoneiro
Cantou o nosso sertão
Ele foi grande expoente
De toda nossa nação.
Foi um grande cantador
Só cantava acompanhado
Da sanfona, do zabumba
Do triângulo ao seu lado
Cantando o seu sertão
E o seu Nordeste amado.
Foi grande compositor
De xaxado e de baião
Exaltava o vaqueiro
O temido Lampião
Cantou para o Padim Cícero
Pro nosso Frei Damião.
No forró e no baião
Gonzaga foi pioneiro
Cantava com a sanfona
Vestido como um vaqueiro
Gonzaga pernambucano
Nordestino, brasileiro.
Zé Dantas foi seu parceiro
Também Huberto Teixeira
Juntos esses três fizeram
Sucessos, grande carreira
Hoje, os três fazem parte
Da cultura brasileira.
Sofrendo de osteoporose
No Hospital Santa Joana
Na cidade do Recife
Capital pernambucana
Morreu o Rei do Baião
Calou-se sua sanfona.
No dia 2 de agosto
Do ano oitenta e nove
Na cidade do Recife
Vá à net e comprove
Faleceu Luiz Gonzaga
Todo mundo se comove.
Vítima duma parada
A cardiorrespiratória
O seu corpo foi velado
Com honradez e com glória
Na cidade do Exu
Tá gravada a sua história.
Com sua sanfona branca
E o seu chapéu de couro
Com o manto do vaqueiro
E o seu gogó de ouro
Luiz Gonzaga foi rei
Do Nodeste, um tesouro.
Um dia, ele me disse
Que queria ser lembrado
Como um grande sanfoneiro
Que durante seu reinado
Amou e cantou seu povo
Com baião, xote e xaxado.
Que cantou os animais
O amor, os cangaceiros
Os padres, os retirantes
As aves e os vaqueiros
Os covardes, os valentes
Do Nordeste brasileiro.
Mas foi muito mais além
Virou o Rei do Baião
Amado em todo Brasil
Na Europa, no Japão
Respeitado em todo mundo
Como o grande Gonzagão.
Cantamos nesse cordel
Cem anos de Gonzagão
Esse bom cabra da peste
Cantador do meu sertão
Parabéns Luiz Gonzaga
O nosso Rei do Baião.
 
Carlos Soares da Silva




ABC do Nordeste Flagelado
     A — Ai, como é duro viver
     nos Estados do Nordeste
     quando o nosso Pai Celeste
     não manda a nuvem chover.
     É bem triste a gente ver
     findar o mês de janeiro
     depois findar fevereiro
     e março também passar,
     sem o inverno começar
     no Nordeste brasileiro.
 
     B — Berra o gado impaciente
     reclamando o verde pasto,
     desfigurado e arrasto,
     com o olhar de penitente;
     o fazendeiro, descrente,
     um jeito não pode dar,
     o sol ardente a queimar
     e o vento forte soprando,
     a gente fica pensando
     que o mundo vai se acabar.
 
     C — Caminhando pelo espaço,
     como os trapos de um lençol,
     pras bandas do pôr do sol,
     as nuvens vão em fracasso:
     aqui e ali um pedaço
     vagando... sempre vagando,
     quem estiver reparando
     faz logo a comparação
     de umas pastas de algodão
     que o vento vai carregando.
 
     D — De manhã, bem de manhã,
     vem da montanha um agouro
     de gargalhada e de choro
     da feia e triste cauã:
     um bando de ribançã
     pelo espaço a se perder,
     pra de fome não morrer,
     vai atrás de outro lugar,
     e ali só há de voltar,
     um dia, quando chover.
 
     E — Em tudo se vê mudança
     quem repara vê até
     que o camaleão que é
     verde da cor da esperança,
     com o flagelo que avança,
     muda logo de feição.
     O verde camaleão
     perde a sua cor bonita
     fica de forma esquisita
     que causa admiração.
 
     F — Foge o prazer da floresta
     o bonito sabiá,
     quando flagelo não há
     cantando se manifesta.
     Durante o inverno faz festa
     gorjeando por esporte,
     mas não chovendo é sem sorte,
     fica sem graça e calado
     o cantor mais afamado
     dos passarinhos do norte.
 
     G — Geme de dor, se aquebranta
     e dali desaparece,
     o sabiá só parece
     que com a seca se encanta.
     Se outro pássaro canta,
     o coitado não responde;
     ele vai não sei pra onde,
     pois quando o inverno não vem
     com o desgosto que tem
     o pobrezinho se esconde.
 
     H — Horroroso, feio e mau
     de lá de dentro das grotas,
     manda suas feias notas
     o tristonho bacurau.
     Canta o João corta-pau
     o seu poema funério,
     é muito triste o mistério
     de uma seca no sertão;
     a gente tem impressão
     que o mundo é um cemitério.
 
     I — Ilusão, prazer, amor,
     a gente sente fugir,
     tudo parece carpir
     tristeza, saudade e dor.
     Nas horas de mais calor,
     se escuta pra todo lado
     o toque desafinado
     da gaita da seriema
     acompanhando o cinema
     no Nordeste flagelado.
 
     J — Já falei sobre a desgraça
     dos animais do Nordeste;
     com a seca vem a peste
     e a vida fica sem graça.
     Quanto mais dia se passa
     mais a dor se multiplica;
     a mata que já foi rica,
     de tristeza geme e chora.
     Preciso dizer agora
     o povo como é que fica.
 
     L — Lamento desconsolado
     o coitado camponês
     porque tanto esforço fez,
     mas não lucrou seu roçado.
     Num banco velho, sentado,
     olhando o filho inocente
     e a mulher bem paciente,
     cozinha lá no fogão
     o derradeiro feijão
     que ele guardou pra semente.
 
     M — Minha boa companheira,
     diz ele, vamos embora,
     e depressa, sem demora
     vende a sua cartucheira.
     Vende a faca, a roçadeira,
     machado, foice e facão;
     vende a pobre habitação,
     galinha, cabra e suíno
     e viajam sem destino
     em cima de um caminhão.
 
     N — Naquele duro transporte
     sai aquela pobre gente,
     agüentando paciente
     o rigor da triste sorte.
     Levando a saudade forte
     de seu povo e seu lugar,
     sem um nem outro falar,
     vão pensando em sua vida,
     deixando a terra querida,
     para nunca mais voltar.
 
     O — Outro tem opinião
     de deixar mãe, deixar pai,
     porém para o Sul não vai,
     procura outra direção.
     Vai bater no Maranhão
     onde nunca falta inverno;
     outro com grande consterno
     deixa o casebre e a mobília
     e leva a sua família
     pra construção do governo.
 
     P - Porém lá na construção,
     o seu viver é grosseiro
     trabalhando o dia inteiro
     de picareta na mão.
     Pra sua manutenção
     chegando dia marcado
     em vez do seu ordenado
     dentro da repartição,
     recebe triste ração,
     farinha e feijão furado.
 
     Q — Quem quer ver o sofrimento,
     quando há seca no sertão,
     procura uma construção
     e entra no fornecimento.
     Pois, dentro dele o alimento
     que o pobre tem a comer,
     a barriga pode encher,
     porém falta a substância,
     e com esta circunstância,
     começa o povo a morrer.
 
     R — Raquítica, pálida e doente
     fica a pobre criatura
     e a boca da sepultura
     vai engolindo o inocente.
     Meu Jesus!  Meu Pai Clemente,
     que da humanidade é dono,
     desça de seu alto trono,
     da sua corte celeste
     e venha ver seu Nordeste
     como ele está no abandono.
 
     S — Sofre o casado e o solteiro
     sofre o velho, sofre o moço,
     não tem janta, nem almoço,
     não tem roupa nem dinheiro.
     Também sofre o fazendeiro
     que de rico perde o nome,
     o desgosto lhe consome,
     vendo o urubu esfomeado,
     puxando a pele do gado
     que morreu de sede e fome.
 
     T — Tudo sofre e não resiste
     este fardo tão pesado,
     no Nordeste flagelado
     em tudo a tristeza existe.
     Mas a tristeza mais triste
     que faz tudo entristecer,
     é a mãe chorosa, a gemer,
     lágrimas dos olhos correndo,
     vendo seu filho dizendo:
     mamãe, eu quero morrer!
 
     U — Um é ver, outro é contar
     quem for reparar de perto
     aquele mundo deserto,
     dá vontade de chorar.
     Ali só fica a teimar
     o juazeiro copado,
     o resto é tudo pelado
     da chapada ao tabuleiro
     onde o famoso vaqueiro
     cantava tangendo o gado.
 
     V — Vivendo em grande maltrato,
     a abelha zumbindo voa,
     sem direção, sempre à toa,
     por causa do desacato.
     À procura de um regato,
     de um jardim ou de um pomar
     sem um momento parar,
     vagando constantemente,
     sem encontrar, a inocente,
     uma flor para pousar.
 
     X — Xexéu, pássaro que mora
     na grande árvore copada,
     vendo a floresta arrasada,
     bate as asas, vai embora.
     Somente o saguim demora,
     pulando a fazer careta;
     na mata tingida e preta,
     tudo é aflição e pranto;
     só por milagre de um santo,
     se encontra uma borboleta.
 
     Z — Zangado contra o sertão
     dardeja o sol inclemente,
     cada dia mais ardente
     tostando a face do chão.
     E, mostrando compaixão
     lá do infinito estrelado,
     pura, limpa, sem pecado
     de noite a lua derrama
     um banho de luz no drama
     do Nordeste flagelado.
 
     Posso dizer que cantei
     aquilo que observei;
     tenho certeza que dei
     aprovada relação.
     Tudo é tristeza e amargura,
     indigência e desventura.
     — Veja, leitor, quanto é dura
     a seca no meu sertão. 

Antônio Gonçalves da Silva




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2 comentários:

  1. Adoro cordel, é muito interessante a forma que se mostra a vida, a crítica que se faz a sociedade de modo tão verdadeiro e sublime. amei!!

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  2. É verdade Tamires, o cordel é a sociedade contada por aqueles que constroem a cada dia a história da humanidade, com sua luta, anseios, sonhos e esperanças de dias melhores...

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